terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tentando Desmestificar a Transfusão em Felinos

O mais importante sistema de grupos sanguíneos em gatos é o sistema AB. Este sistema possui três tipos sanguíneos: A, B e o AB. A freqüência dos tipos sanguíneos em gatos varia muito de acordo com a raça e a localização geográfica. Recentemente outro antígeno foi descrito em gatos domésticos de pêlo curto nos EUA, o antígeno Mik.

Gatos examinados nos Estados Unidos foram quase exclusivamente tipo- A, e a prevalência de gatos tipo B varia muito de região para região e entre as raças. O tipo AB é extremamente raro (menos de 1% de todos os gatos). O tipo AB é encontrado apenas em raças de gatos com tipo sanguíneo B em suas populações.

            Os antígenos dos grupos sanguíneos possuem características hereditárias Mendeliana autossomal simples, onde A domina B. Os gatos tipo A podem ser homozigotos AA ou heterozigoto AB. Os animais tipo B são sempre homozigotos. O sangue tipo AB não é resultado de uma herança de codominância entre o tipo A e B. Apesar de diversos estudos de raças e análises de pedigree, o modo de herança do fenótipo AB ainda não foi esclarecido.

As raças Devon Rex, Cornish Rex, Pêlo Curto Britânico, Exótico de pêlo curto, Van Turco, Angorá Turco, apresentam uma prevalência de tipo B bastante alta, com porcentagem que variam de 30 a 60%. Por outro lado, a raça Siamesa e outras relacionadas com o Oriental de pêlo curto, assim como o Tonquinês possuem exclusivamente tipo sanguíneo A. No Brasil, poucos animais de raças puras foram estudados.

Os felinos, diferentemente dos cães, apresentam anticorpos de ocorrência natural contra o antígeno dos outros grupos. Apenas o felino AB não possui anticorpo de ocorrência natural, portanto pode receber sangue de todos os tipos do sistema e é conhecido como “receptor universal” entre os felinos. Desta forma, todos os gatos tipo sanguíneos B possuem aloanticorpos naturais contra células do tipo A, e todos os gatos do tipo A possuem aloanticorpos contra células do tipo B.

A incompatibilidade sanguínea, devido à presença de anticorpos naturais, pode causar reações potencialmente fatais. Todo gato tipo- B possuem grande quantidade de títulos anti- A e a ocorrência de hemólise pode ser resultado em severas reações transfusionais quando um gato tipo B recebe sangue tipo A. A meia-vida dos eritrócitos transfundidos entre gatos compatíveis é de 29 a 39 dias. A transfusão de sangue tipo A em um gato tipo B resulta em uma rápida destruição do sangue do doador (diminuição da meia-vida para cerca de 1,3 hora) e aparecimento de severos sinais clínicos como a hipotensão, defecação, vômito, hemoglobinemia, depressão neurológica, e até mesmo a morte. Já uma transfusão de sangue tipo B em um gato com sangue tipo A produz sinais clínicos leves, a meia-vida dos eritrócitos transfundidos é de 2,1 dias. Devido à presença destes anticorpos de ocorrência natural, a prova de compatibilidade sanguínea deve ser realizada antes da primeira transfusão, especialmente nas raças de alta incidência do tipo B e AB.

O conhecimento da distribuição dos grupos sanguíneos na população local de felinos pode auxiliar na determinação do risco da ocorrência de reações transfusionais, enquanto que o conhecimento dos títulos de aloanticorpos pode auxiliar na determinação da severidade destas reações.

Como reações transfusionais fatais comumente ocorrem nos gatos do tipo B que estão recebendo sangue do tipo A, os gatos de qualquer uma das raças já listadas devem ter o sangue tipado e serem submetidos à reação cruzada antes de se administrar uma transfusão.

Assim, a tipagem sanguínea e/ou a prova de reação cruzada constituem procedimentos indispensáveis para assegurar a compatibilidade entre os gatos.

ESCOLHA DO DOADOR

O doador felino ideal deve ter entre dois e cinco anos e peso acima de 4kg, sendo preferível um peso entre 5 e 7kg. Os doadores podem ser machos castrados e fêmeas nulíparas ou castradas. Os gatos machos são mais procurados por serem maiores.  Os gatos devem ser domiciliados, para minimizar o risco de doenças infecciosas. Devem possuir Ht maior que 30%, sendo o ideal Ht maior que 35%.       

O volume sanguíneo máximo a ser colhido em felinos é de 11 a 15mL/ kg. Esse volume representa uma maior porcentagem do volume sanguíneo total dos felinos em comparação à porcentagem do volume sanguíneo total dos cães. Por esta razão, gatos podem desenvolver hipotensão como reação adversa após a doação. Como outra complicação que o doador de sangue felino pode apresentar pode citar as reações adversas devido a uma possível sedação durante a coleta do sangue, como a indução de lipidose hepática, falhas hepáticas e o choque hipovolêmico. Desta forma o doador deve ser observado durante quatro horas antes e depois da doação, particularmente para observar possíveis sinais de hipovolemia (taquicardia, extremidades frias, depressão e colapso). Uma medida que pode ser tomada é a administração de solução salina intravenosa ou mesmo subcutânea (cerca de 20mL/kg).

 Calcula-se o volume sanguíneo estimado de um gato com a seguinte fórmula:
Volume sanguíneo estimado (litros)= 0,055 – 0,065 x peso (kg)

Deve-se evitar escolher gatos braquicefálicos, como a raça Persa e o Himalaio para doar sangue, uma vez que a flebotomia parece ser mais difícil de ser realizada nessas raças. No entanto, em determinadas situações utilização destas raças muitas vezes torna-se inevitável como nos casos em que se necessita de sangue tipo B devido à alta prevalência deste tipo de sangue nessas raças.

A tipagem sanguínea é caracteristicamente feita em laboratórios de referência, mas hoje em dia um sistema simples de tipagem em cartão está disponível comercialmente para cães e gatos (Rapid- Vet-H feline e canine blood- typing cards; DMS Laboratories Flemington, New Jersey, EUA).

A compatibilidade entre o sangue de dois indivíduos é determinada através da “prova cruzada”. O sangue do doador é testado contra o sangue do receptor, para verificar a ocorrência de aglutinação das hemácias (formação de grumos – aglutinação), indicativa de incompatibilidade.  A prova cruzada não identifica os grupos sanguíneos, somente detecta a incompatibilidade entre o doador e o receptor.

A reação cruzada só mostra a presença de anticorpos contra hemácias, não detectando anticorpos contra leucócitos ou plaquetas. Anticorpos contra essas células podem causar reações transfusionais como a urticária.

COLETA DO SANGUE

Em gato pode ser utilizado seringas grandes (de 35 a 60mL) para coleta de sangue, devido a pequena quantidade de sangue retirado. Este sistema para gatos é considerado o mais simples.  Nesta seringa é adicionado o anticoagulante, para evitar a coagulação do sangue. O sangue é retirado por meio de um cateter borboleta calibre 19 inserido na veia jugular, este método é considerado como sistema aberto, desta forma há grande risco de contaminação bacteriana no sangue.

Na rotina normalmente utilizamos seringa de 10ml onde coloca-se 9 ml de sangue total para 1ml de anticoagulante (CPDA).

A maior parte dos gatos geralmente são sedados ou anestesiados para a doação de sangue, como exemplo, cetamina associado ao midazolan. Porém, alguns autores sugerem evitar o uso de clorpromazina e acepromazina porque estas diminuem a pressão sanguínea, além da última interferir com a função plaquetária. Quando for preciso sedar esses animais, devem-se escolher sedativos que minimizem a hipotensão.

Em cães e gatos o sangue pode ser administrado pela veia safena, cefálica antebraquial ou jugular, além da via intra-óssea, que podem ser utilizadas em pacientes pequenos ou neonatos, ou em pacientes com perfusão periférica deficiente.

Quando realizar a transfusão do sangue completo deve-se utilizar equipos apropriados, que contenham filtros para reter o sangue coagulado ou resíduo.

Nos primeiros 30 minutos da administração do sangue, deve-se manter uma velocidade inicial lenta (0,25mL/ kg) para observação de qualquer reação de incompatibilidade. Mais após este tempo a velocidade de administração recomendada é variável, mas não deve excede 22ml/kg/dia (mais de 20ml/kg/hora pode ser usados em animais mais hipovolêmicos)

Deve-se avaliar o hematócrito do animal transfundido antes e após a transfusão, para registrar a melhora relativa do paciente e para triar quanto à hemólise como indicador de incompatibilidade .

O volume da transfusão depende do Ht e das condições gerais do paciente. Como regra geral deve-se administrar 2mL/kg de sangue total para aumentar o Ht em 1%.  Outra forma para mensurar a quantidade de sangue necessário para transfusão está descrita na fórmula abaixo:

Volume (em litros) = peso x 70 x (Ht desejado – Ht receptor)
                                                 (Ht doador)

Nenhum comentário:

Postar um comentário